domingo, 5 de junho de 2016

A menina que brinca de ser menino e o menino que brinca de ser menina


Victoria, Natália e Tamires

Um acontecimento recente, ocorrido dia 15 de fevereiro deste ano, tornou-se palco de discussão acalorada nas redes sociais. A cantora Pop Adele levou seu filho Angelo à um parque vestido de uma das princesas da Disney. Entre pessoas que a apoiaram e outras que a criticaram, está a seguinte pergunta: qual o significado da transição de uma criança entre os dois gêneros?
A infância é um período de construções subjetivas. É por volta dos 3 ou 4 anos que ela começa a ter percepções sobre o seu gênero e formam-se as primeiras noções sobre si mesma. É assim que a criança entenderá sobre as diferenças entre o seu corpo e o do outro, e também é quando serão assimiladas as relações culturais, sociais e linguísticas. Durante essa fase, é comum que ela transite entre os dois gêneros por curiosidade que pode ser percebida de diversas formas: através do vestir-se, das relações ou das brincadeiras.  Essa transição não faz da criança um transgênero - indivíduo que não se identifica com seu sexo anatômico – nem um homossexual – indivíduo que sente atração por outro ser do mesmo sexo que o seu. O professor de psiquiatria da UFMG, Arthur Melo Kummer, questiona: “se você pudesse imaginar uma máquina em que as pessoas pudessem entrar e sair como alguém do sexo oposto, quantas pessoas entrariam por curiosidade?”.
Atitudes isoladas, como a vontade do menino de não cortar o cabelo para que ele seja longo, ou a menina que quer andar sem camisa, como o seu irmão, muitas vezes são vistas como diversão para a criança. Esse flerte com as vestimentas, com as características ou brincadeiras intituladas ao gênero oposto ao da criança, não necessariamente continuará até a adolescência ou a fase adulta. Por outro lado, quando esse comportamento se mostra muito frequente e insistente, ele merece atenção. Esse padrão comportamental pode dar seus sinais desde a infância. Pesquisas feitas com transgêneros adultos comprovaram que eles se lembram de vivências consideradas do gênero oposto quando crianças.
A idade média em que os indivíduos tomam consciência de sentirem-se sendo pertencente ao sexo oposto ao qual nasceram é aproximadamente de oito anos, sendo que 80% percebe isso antes de deixarem a escola primária. Sendo assim, muitas crianças passam grande parte de sua infância sentindo que existe algo de diferente nelas.  De acordo com um estudo realizado por Kennedy (2010) essas crianças podem sofrer extremo desconforto e muitas vêm isso como “um erro de Deus”. 
Esta percepção é confirmada pelos relatos de adultos que se perceberam transgêneros desde a infância. Eles mencionam que essas vivências eram acompanhadas de um sentimento de estranheza, de que algo está errado, e de culpa. Estas percepções acontecem porque com o passar dos anos a criança internaliza o que é considerado culturalmente certo e errado. Por isso, para se defender, a criança oculta seus sentimentos. Além disso, por ser um assunto considerado tabu na sociedade, a pessoa transgênera cresce se sentindo a única do mundo que se percebe assim, o que prejudica ainda mais a sua capacidade de autoafirmação e autoconhecimento. Sendo assim, muitas vezes a criança ao longo do seu desenvolvimento, cresce sob pressão da sociedade que a obriga a se comportar de acordo com o gênero intitulado a ela. Todas essas variáveis podem afetar a vida delas quando atingirem a maturidade.
Também foi possível perceber através das entrevistas que a aparência possui uma dimensão fundamental. Constata-se que para as mulheres transexuais, a aparência tem grande importância na constituição da própria identidade, já que o embelezamento é uma prática histórica associada à feminilização. Já para os homens transexuais, questões relativas às relações de convívio com outros homens são de grande relevância. 
Por isso, é necessário que os pais e os educadores estejam cientes do significado verdadeiro dessa transição na criança. São eles que poderão ser a peça chave para que ela se desenvolva livre de preconceitos e de maneira saudável, sentindo satisfação e realização por ela ser do jeito que é. É necessário que sejam consideradas às pressões que esse indivíduo sofre, tanto sociais quanto culturais.
Referências
BARRETO, Ocilene Fernandes; CECCARELLI, Paulo Roberto. Entre o Eu e o corpo... um estranho: reflexões sobre as transexualidades. Revista Reverso, Florianópolis, v.37, n.69, jun. 2015.  Disponível em:  <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S0102-73952015000100012&script=arttext>. Acesso em: 15 março 2016.
JESUS, Jaqueline Gomes de. Crianças Trans: memórias e desafios teóricos. Mai. 2013. Disponível em: <http://www.uneb.br/enlacandosexualidades/files/2013/06/Crian%C3%A7as-trans mem%C3%B3rias-e-desafios-te%C3%B3ricos.pdf>.  Acesso em: 15 março 2016.
KENNEDY, Natasha. Crianças transgênero: mais do que um desafio teórico. Revista Cronos, Rio Grande do Norte, v. 11, n.2, dez. 2010. Disponível em: <http://www.periodicos.ufrn.br/cronos/article.viewFile/2115/pdf>.. Acesso em: 15 março 2016.

MENDES, Valéria. Transitar em outro gênero é curiosidade de criança, mas comportamento insistente merece atenção. Jul. 2013. Disponível em: <http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2013/07/01/noticia_saudeplena,143864/visitar-o-outro-genero-e-curiosidade-de-crianca-mas-comportamento-ins.shtml>. Acesso em: 15 março 2016.

SENKEVICS, Adriano. Ensaios de Gênero. Jan. 2012. Disponível em: < https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/01/23/tomboy/>. Acesso em: 15 março 2016.

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