Carolina Fernandes
Ora, mas como assim? Você alguns
segundos atrás decidiu começar ler esse texto; seja atraído pelo título, imagem
ou quaisquer outros motivos. Você pode desistir de terminar essa leitura a
qualquer momento. Tudo isso lhe parece óbvio dentro do conceito de livre
arbítrio. Entretanto, não funciona tão simples assim.
Estar correndo
os olhos em todas essas palavras que podem parecer nunca acabar ou que podem te
despertar grande curiosidade pelas que ainda virão; isso tudo é parte de um
grande plano que tem muito mais a dizer sobre você do que todos os seus amigos
ou familiares. Essa voz que surge em sua mente a cada palavra que lê é a grande
responsável por quase tudo o que acontece na sua vida; inclusive por esse texto
ter atraído a sua atenção até aqui.
A interpretação que você fará ao final
dessas palavras será única, o que se deve a essa voz interna denominada como
consciência; que é basicamente, a união de todos os seus traços imutáveis de
personalidade associados à sentimentos e valores que lhe foram ensinados no
decorrer de sua vida.
Esse não é um texto sobre como o passado
influencia seu futuro, embora trate um pouco disso também. É um texto sobre
como você nem sempre foi, de fato, você.
Calma,
eu vou explicar!
A intenção principal aqui é compreender
todos os aspectos psicológicos, sociais, históricos e inconscientes que
resultaram em uma personalidade única da pessoa mais importante do mundo: você
mesmo.
Sabe a tal voz interna, a consciência?
Pois bem, ela é você. Todos os seus pensamentos são intimamente conhecidos por
ela, assim como, toda sua visão externa do mundo está sujeita a influência e
importância concedida por ela.
Estudar esse “eu” é algo demasiadamente
difícil, porque não há como nenhum estudo conseguir acessar todos os roteiros
que se passam em sua mente, que só você conhece. Dessa forma, a consciência só
pode ser estudada através do que é compartilhado ou daquilo que é capturado nas
realidades em miniatura, realizadas em pesquisas laboratoriais.
Pesquisas recentes comprovam que a
consciência está longe de ser algo cronológico, indivisível ou imutável; muito
pelo contrário, é como estar mudando aleatoriamente as estações de rádio. Suas
características de hoje podem ser bem diferentes amanhã, mudam-se conforme o seu
desenvolvimento.
Mas chega de enrolar, vamos falar sobre
o que interessa: você.
Então,
como você se tornou quem é?
Foi um longo processo, que se iniciou
quando você ainda era bem pequeno, em uma fase da infância em que você ainda
não era sequer capaz de formar memórias. Você não tinha noção de espaço, de
tempo e muito menos dos seus limites. Até os quatro meses de vida, é possível
dizer que você não agia, apenas reagia; processava os primeiros contatos com o
mundo e as pessoas.
Seus cinco sentidos se manifestavam
juntamente em uma mistura sensorial que depois de muitos anos você descobriria
que se chama sinestesia. Porém, nada disso era você. A consciência mínima só
surgiria após seus dezoito meses de vida. Foi nesse estágio de sua vida que
você começou a diferenciar aquilo que percebia através dos seus sentidos, por
exemplo: salgado e doce, claridade e escuro, quente e frio. E também, de
maneira inata, começava a compreender que você é um indivíduo entre tantos
outros, que continuam a viver mesmo quando fecham os olhos ou sonham.
Com cinco anos, suas estruturas
orgânicas responsáveis pela comunicação e pela memória a longo prazo estão mais
desenvolvidas e são capazes de sustentar a chamada consciência ampliada. Nessa
fase já era possível possuir uma maior noção de tempo, espaço, limitações,
passado e futuro. É nesse momento que sua consciência começa a acumular
características sobre si mesmo que futuramente se tornarão sua identidade
própria, sua subjetividade: sua personalidade.
Parece
óbvio ainda?
Tenha paciência e deixe que esse filme
que se desenrola por trás dos seus olhos seja mais que a ilusão de uma voz na
sua mente: continue lendo, deixe que ela continue falando; porque ainda há muito
que tentar entender sobre esse mistério de ser você.
A partir do momento em que você já tem a
consciência ampliada, está sujeito às influências do meio e das pessoas que o
cercam; uma vez que você começa a crescer, – e é realmente inevitável que isso ocorra com um
ser humano criado no convívio social – você já está construindo sua
personalidade.
Neste critério, sua primeira influência
parte da relação materna. A maneira como a criança é criada deixa marcas por
toda sua vida; inclusive, essa é uma afirmação pautada em teorias psicológicas
como a de Freud, que acreditava que a personalidade dos filhos é formada em
grande parte pelas características identitárias dos pais.
Porém, não se trata da única influência,
muito menos da mais significativa. O indivíduo ao se desenvolver e alcançar
idades em que convive, muitas vezes, mais com o grupo social em que está
inserido do que com a família, busca se autoafirmar no coletivo. Isso se dá,
principalmente, na transição entre a puberdade e adolescência; quando a
tendência é reconhecer os amigos como exemplos sociais, assim como,
acompanhá-los nas decisões coletivas e modismos. Trata-se de uma fase da vida
em que a pessoa percebe que características semelhantes unem pessoas e que
quanto mais semelhante você for do grupo ao qual pertence, mas aceito será.
É na adolescência que esse estágio toma
proporções maiores que podem tornar-se preocupantes. Muitos adolescentes tendem a se apoderar de
características dos outros (amigos ou ídolos), de tal maneira à anular as suas
próprias; o que é chamado de identificação excessiva . Essa problemática ocorre
no período que pode ser conhecido como moratória psicossocial: a fase da
adolescência em que o jovem se permite um compasso de espera, uma pausa do
processo consciente de formação de identidade; para que, através da
experimentação, de situações e comportamentos, possa se descobrir enquanto
sujeito. Ao fim desse período e também ao se aproximar da vida adulta, o
indivíduo compreende a necessidade do comprometimento com a construção de uma
carreira, de valores éticos e consequentemente, é marcado pela fidelidade que
sustenta suas escolhas e lealdade àqueles que estão em posições semelhantes.
Na reta final da adolescência é que
finalmente a identidade se torna adquirida, após a formação de diversas
características identitárias, acumuladas no decorrer de todos os estágios das
idades anteriores e que tanto podem ser mutáveis diante do meio social em que
se está inserido quanto também serão capazes de refletir na continuidade do
processo de desenvolvimento.
Quem
você era antes de ser você?
Sinto informar, mas não há como saber. Você
era o conjunto de toda a influência à qual era exposto no meio em que vive, era
a essência de suas amizades, era também parte do alicerce familiar que lhe
sustentava, era o que sentia, falava e pensava. E, de fato, ainda é.
Entretanto, você se desenvolve a cada
dia, recebe uma dose de maturidade diária que é responsável por inúmeros
efeitos colaterais que podem mudar sua maneira de enxergar o mundo e de
interagir com ele.
Você é hoje as características evoluídas
do que era à algum tempo atrás. Assim como, será amanhã, uma versão melhorada
do que é hoje. Então a sua personalidade muda? Sim, embora nem sempre a sua voz
interior te conte esse segredo.
Mas, isso já é
assunto para deixar sua consciência processando diante de tudo o que foi lido,
enquanto você continua suas tarefas diárias e nem mesmo percebe que uma sementinha
de conhecimento, ainda que simplória, foi plantada aí, bem no seu “eu”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário