quarta-feira, 15 de abril de 2015

Quem eu era antes de ser eu?


Carolina Fernandes


Ora, mas como assim? Você alguns segundos atrás decidiu começar ler esse texto; seja atraído pelo título, imagem ou quaisquer outros motivos. Você pode desistir de terminar essa leitura a qualquer momento. Tudo isso lhe parece óbvio dentro do conceito de livre arbítrio. Entretanto, não funciona tão simples assim.
Estar correndo os olhos em todas essas palavras que podem parecer nunca acabar ou que podem te despertar grande curiosidade pelas que ainda virão; isso tudo é parte de um grande plano que tem muito mais a dizer sobre você do que todos os seus amigos ou familiares. Essa voz que surge em sua mente a cada palavra que lê é a grande responsável por quase tudo o que acontece na sua vida; inclusive por esse texto ter atraído a sua atenção até aqui.
A interpretação que você fará ao final dessas palavras será única, o que se deve a essa voz interna denominada como consciência; que é basicamente, a união de todos os seus traços imutáveis de personalidade associados à sentimentos e valores que lhe foram ensinados no decorrer de sua vida.
Esse não é um texto sobre como o passado influencia seu futuro, embora trate um pouco disso também. É um texto sobre como você nem sempre foi, de fato, você.

Calma, eu vou explicar!

A intenção principal aqui é compreender todos os aspectos psicológicos, sociais, históricos e inconscientes que resultaram em uma personalidade única da pessoa mais importante do mundo: você mesmo.
Sabe a tal voz interna, a consciência? Pois bem, ela é você. Todos os seus pensamentos são intimamente conhecidos por ela, assim como, toda sua visão externa do mundo está sujeita a influência e importância concedida por ela.
Estudar esse “eu” é algo demasiadamente difícil, porque não há como nenhum estudo conseguir acessar todos os roteiros que se passam em sua mente, que só você conhece. Dessa forma, a consciência só pode ser estudada através do que é compartilhado ou daquilo que é capturado nas realidades em miniatura, realizadas em pesquisas laboratoriais.
Pesquisas recentes comprovam que a consciência está longe de ser algo cronológico, indivisível ou imutável; muito pelo contrário, é como estar mudando aleatoriamente as estações de rádio. Suas características de hoje podem ser bem diferentes amanhã, mudam-se conforme o seu desenvolvimento.
Mas chega de enrolar, vamos falar sobre o que interessa: você.

Então, como você se tornou quem é?

Foi um longo processo, que se iniciou quando você ainda era bem pequeno, em uma fase da infância em que você ainda não era sequer capaz de formar memórias. Você não tinha noção de espaço, de tempo e muito menos dos seus limites. Até os quatro meses de vida, é possível dizer que você não agia, apenas reagia; processava os primeiros contatos com o mundo e as pessoas.
Seus cinco sentidos se manifestavam juntamente em uma mistura sensorial que depois de muitos anos você descobriria que se chama sinestesia. Porém, nada disso era você. A consciência mínima só surgiria após seus dezoito meses de vida. Foi nesse estágio de sua vida que você começou a diferenciar aquilo que percebia através dos seus sentidos, por exemplo: salgado e doce, claridade e escuro, quente e frio. E também, de maneira inata, começava a compreender que você é um indivíduo entre tantos outros, que continuam a viver mesmo quando fecham os olhos ou sonham.
Com cinco anos, suas estruturas orgânicas responsáveis pela comunicação e pela memória a longo prazo estão mais desenvolvidas e são capazes de sustentar a chamada consciência ampliada. Nessa fase já era possível possuir uma maior noção de tempo, espaço, limitações, passado e futuro. É nesse momento que sua consciência começa a acumular características sobre si mesmo que futuramente se tornarão sua identidade própria, sua subjetividade: sua personalidade.

Parece óbvio ainda?

Tenha paciência e deixe que esse filme que se desenrola por trás dos seus olhos seja mais que a ilusão de uma voz na sua mente: continue lendo, deixe que ela continue falando; porque ainda há muito que tentar entender sobre esse mistério de ser você.
A partir do momento em que você já tem a consciência ampliada, está sujeito às influências do meio e das pessoas que o cercam; uma vez que você começa a crescer, – e  é realmente inevitável que isso ocorra com um ser humano criado no convívio social – você já está construindo sua personalidade.
Neste critério, sua primeira influência parte da relação materna. A maneira como a criança é criada deixa marcas por toda sua vida; inclusive, essa é uma afirmação pautada em teorias psicológicas como a de Freud, que acreditava que a personalidade dos filhos é formada em grande parte pelas características identitárias dos pais.
Porém, não se trata da única influência, muito menos da mais significativa. O indivíduo ao se desenvolver e alcançar idades em que convive, muitas vezes, mais com o grupo social em que está inserido do que com a família, busca se autoafirmar no coletivo. Isso se dá, principalmente, na transição entre a puberdade e adolescência; quando a tendência é reconhecer os amigos como exemplos sociais, assim como, acompanhá-los nas decisões coletivas e modismos. Trata-se de uma fase da vida em que a pessoa percebe que características semelhantes unem pessoas e que quanto mais semelhante você for do grupo ao qual pertence, mas aceito será.
É na adolescência que esse estágio toma proporções maiores que podem tornar-se preocupantes.  Muitos adolescentes tendem a se apoderar de características dos outros (amigos ou ídolos), de tal maneira à anular as suas próprias; o que é chamado de identificação excessiva . Essa problemática ocorre no período que pode ser conhecido como moratória psicossocial: a fase da adolescência em que o jovem se permite um compasso de espera, uma pausa do processo consciente de formação de identidade; para que, através da experimentação, de situações e comportamentos, possa se descobrir enquanto sujeito. Ao fim desse período e também ao se aproximar da vida adulta, o indivíduo compreende a necessidade do comprometimento com a construção de uma carreira, de valores éticos e consequentemente, é marcado pela fidelidade que sustenta suas escolhas e lealdade àqueles que estão em posições semelhantes.
Na reta final da adolescência é que finalmente a identidade se torna adquirida, após a formação de diversas características identitárias, acumuladas no decorrer de todos os estágios das idades anteriores e que tanto podem ser mutáveis diante do meio social em que se está inserido quanto também serão capazes de refletir na continuidade do processo de desenvolvimento.

Quem você era antes de ser você?

Sinto informar, mas não há como saber. Você era o conjunto de toda a influência à qual era exposto no meio em que vive, era a essência de suas amizades, era também parte do alicerce familiar que lhe sustentava, era o que sentia, falava e pensava. E, de fato, ainda é.
Entretanto, você se desenvolve a cada dia, recebe uma dose de maturidade diária que é responsável por inúmeros efeitos colaterais que podem mudar sua maneira de enxergar o mundo e de interagir com ele.
Você é hoje as características evoluídas do que era à algum tempo atrás. Assim como, será amanhã, uma versão melhorada do que é hoje. Então a sua personalidade muda? Sim, embora nem sempre a sua voz interior te conte esse segredo.
Mas, isso já é assunto para deixar sua consciência processando diante de tudo o que foi lido, enquanto você continua suas tarefas diárias e nem mesmo percebe que uma sementinha de conhecimento, ainda que simplória, foi plantada aí, bem no seu “eu”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário